A coragem para liderar – resumo do livro de Brené Brown
“A coragem para liderar“, de Brené Brown, é mais um daqueles livros de leitura incômoda. Não por usar linguajar difícil ou ser chato, mas por causar um constante incômodo ao longo de todo o livro. O incômodo que senti na leitura só é comparável ao “Os Sete Hábitos das Pessoas Altamente Eficazes“, de Stephen Covey. Entretanto, este incômodo é altamente necessário, pois nos faz questionar comportamentos e verdades que além de serem nocivos a nós mesmos e a outras pessoas, minam nossa liderança autêntica. Provavelmente você, assim como eu, ao ler “A coragem para liderar” irá parar a cada par de páginas para refletir sobre seus próprios comportamentos, ações e crenças.
Este livro é mais um dos que indico como mandatórios para aqueles que buscar realmente liderar e inspirar pessoas.
O que é vulnerabilidade?
Em primeiro lugar, ter coragem para liderar começa com se permitir estar vulnerável emocionalmente. Como Brown apresenta ao longo de todo o livro, a raiz de muitos problemas enfrentados por empresas, gestores e equipes é justamente a fuga de situações onde é possível se estar vulnerável, como nas conversas difíceis ou em feedbacks necessários mas desconfortáveis.
Vulnerabilidade não é sobre ganhar ou perder, sobre ser frágil versus forte,
é sobre ter a coragem de assumir a frente quando você não pode controlar o resultado final.
Muitas pessoas querem dar suas opiniões e “feedbacks” mas não são bravas o suficiente em suas vidas. Nesse sentido, as contribuições destas pessoas são normalmente envoltas em cinismo e instilam medo.
No processo de lidarmos com a nossa própria vulnerabilidade, seja diante de dificuldades individuais ou para nos protegermos das pessoas que podem nos causar dor e nos prejudicar, acabamos por criar uma série de “armaduras” psicológicas. Entretanto, estas armaduras levam a comportamentos prejudiciais aos nossos relacionamentos e em nossas vidas.
Alguns mitos sobre a vulnerabilidade
- Vulnerabilidade é fraqueza: vulnerabilidade é a emoção que nós experimentamos diante de incerteza, risco e exposição emocional. Não há um único momento de coragem que não seja precedido pelo sentimento de se estar exposto e vulnerável.
- Eu nunca fico vulnerável: Todos passamos por momentos de incerteza e risco, ou seja, invariavelmente você estará vulnerável de tempos em tempos. Fingir que você não está vulnerável pode fazer com que o medo natural da situação incerta se instale sem você nem se dar conta, influenciando seus pensamentos e comportamentos.
- Eu dou conta sozinho: O ser humano é interdependente, somos seres sociais. Não conseguimos ser independentes, ou não necessitar de ninguém, o tempo todo. Dessa forma, o processo de nos tornarmos adultos não significa ficarmos sozinhos e autônomos, mas sim uma pessoa com quem outros possam contar e depender.
- Vulnerabilidade é se abrir por completo: Vulnerabilidade exige a imposição de limites. Assim, precisamos estar conscientes do que precisamos ou não abrir de informação aos outros, e qual o objetivo com isso.
Intenção Oculta e Expectativa Oculta
Ao falarmos sobre o tópico anterior (se abrir por completo), precisamos ter em mente dois conceitos: a Intenção Oculta e a Expectativa Oculta
- A Intenção Oculta é quando temos uma intenção inconsciente de atingir algo ao abrirmos demais sobre uma situação. Pense em um gestor que sabe que a empresa fará uma demissão em massa em breve. Esta é uma informação confidencial e ele não pode falar sobre isso com a equipe neste momento. Se ele falar, pode ter a intenção oculta de evitar a rejeição, ira ou desprezo da equipe quando tiver de fazer os desligamentos. Dessa forma, ao falar a informação confidencial ele pretende atender à sua Expectativa Oculta.
- A Expectativa Oculta é o que queremos atingir ao abrirmos em demasia. No caso acima, a expectativa do gestor que abre a informação confidencial é evitar que a equipe o odeie, ou que pensem que ele é uma pessoa má por fazer as demissões.
Brené Brown no TEDx Houston – O Poder da Vulnerabilidade (legendas em português disponíveis)
O chamado da coragem para liderar
Um dos principais aprendizados que extraí de todo o livro está condensado na seguinte frase:
Clareza é gentileza. Falta de clareza é falta de gentileza.
Primeiramente, falamos meias verdades para as pessoas para que as pessoas se sintam bem. Isto na verdade é para fazer com que nós nos sintamos bem, e não a outra pessoa. Quando evitamos dar um feedback honesto, claro, e necessário, com medo que a pessoa se sinta mal, não estamos sendo gentis com ela. Com este feedback a pessoa poderá evoluir, mas se não somos claros ou falamos meias verdades, estamos privando esta pessoa da oportunidade de crescer pessoal e profissionalmente. Clareza é gentileza.
A coragem para liderar exige consciência e disciplina para confrontar a realidade com os fatos brutais. Precisamos, enquanto líderes, sermos ao mesmo tempo otimistas e realistas. Precisamos sonhar e checar se os fatos corroboram ou não nossos sonhos. Isto envolve, sobretudo, apresentar os fatos de forma clara e gentil para que as pessoas possam ampliar sua compreensão sobre uma determinada situação.
Eventualmente precisamos também ter estas conversas duras quando não estamos prontos.
Somos viajantes, e não os cartógrafos.
Precisamos ter as conversas desconfortáveis sempre que for necessário. Mesmo que não tenhamos todas as respostas, até porquê, nunca as teremos. Líderes devem investir tempo conversando com suas equipes sobre medos e sentimentos, caso contrário terão de lidar com comportamentos improdutivos.
Armaduras psicológicas
Quando estamos diante de situações que nos deixam vulneráveis, podemos adotar comportamentos preventivos. Estes comportamentos são as “armaduras” psicológicas. Como resultado, quando estamos com medo ou sentimos necessidade de auto defesa, emerge um padrão como estas armaduras são erguidas. Este padrão é uma série de pensamentos que nos levam a ações a comportamentos, e a sequência é:
1) Surge o sentimento de “Eu não sou bom o bastante”
2) Se eu for honesto com as pessoas sobre o que está acontecendo eles vão pensar mal de mim. Podem inclusive usar esta honestidade contra mim.
3) Não tem a menor chance de eu ser honesto sobre isso. Ninguém é. Porquê eu faria isto comigo?
4) Que se danem. Eu não vejo eles sendo honestos com o que os assusta. E eles têm uma série de problemas.
5) O que me leva a agir como estou agindo é justamente os problemas deles. É culpa deles e eles estão tentando me culpar.
6) Na verdade, agora que pensei sobre isso, vejo que eu sou melhor do que eles.
Este padrão é um caminho que conecta o “Não sou bom o bastante” ao “Eu sou melhor do que eles”. Entretanto, isto tudo acontece enquanto estamos parados em nosso lugar, somente pensando e justificando para nós mesmos.
Vestimos nossas armaduras para pura e simplesmente proteger nosso ego. Proteger nosso ego e nos conformar é o motivo de recorrermos à armadura em situações onde ser aprovado ou respeitado está em risco. Como resultado, protegemos nosso ego e aprisionamos nosso coração, e consequentemente, nossa coragem.
Algumas armaduras em funcionamento
No livro “A coragem para liderar“, Brown apresenta 16 comportamentos da liderança armadurada. Aqui farei um resumo das que considero principais e que vejo surgirem com frequência nas organizações e gestores que tenho contato em treinamentos ou processos de mentoria. Apresentarei alguns comportamentos da liderança armadurada versus o comportamento da liderança corajosa.
Perfeccionismo versus Encorajar empatia e auto compaixão
O perfeccionismo é uma tentativa de não cometer erro nenhum, e fazemos isto para ganhar aprovação dos outros. Perfeccionismo é autodestrutivo e viciante, pois alimenta o seguinte pensamento: Se eu for perfeito e fizer tudo perfeitamente posso evitar os sentimentos de culpa, julgamento e vergonha. Líderes devem encorajar e manter conversas com suas equipes sobre o perfeccionismo. O que podemos fazer enquanto equipe para evitarmos cair nas armadilhas do perfeccionismo? Falar sobre as causas do perfeccionismo e como lidar com ele em equipe pode ser extremamente poderoso.
Estar sempre certo versus Ser um aprendiz
Ter de estar sempre certo é uma pesada armadura para se carregar. Adicionalmente, é um grande propagador de baboseiras, pois na tentativa contínua de estar sempre certo o líder pode buscar justificativas ou explicações sem qualquer sentido, levando inclusive a piorar seu relacionamento com as pessoas ao redor. Por outro lado, ter a mentalidade de um eterno aprendiz tira o peso e o fardo de carregar esta pesada armadura. Ao invés de tentar saber tudo e estar sempre certo, devemos buscar aprender, perguntar e nos interessar pelos outros. Ter coragem para liderar passa pelo aprendizado contínuo.
Se esconder atrás de cinismo versus Clareza e Gentileza
Cinismo e sarcasmo visam expor outras pessoas, diminuí-las e consequentemente nos fazer sentir mais importantes. Além disso elas também causam confusão pois dão margem a diversas interpretações, e isto não é clareza na comunicação. Cinismo e sarcasmo são combatidos com clareza e gentileza. Pratique dizer o que pensa e pensar o que diz. Por fim, cinismo e sarcasmo podem ser uma maneira das pessoas fugirem de dar sua contribuição, fazendo críticas veladas sem abordar diretamente o que acham estar ou ser errado. Líderes com coragem para liderar não podem permitir, muito menos recompensar este comportamento.
Usar o medo como arma versus Reconhecer e normalizar o medo e incerteza
Historicamente é conhecido o uso do medo para engajar ou controlar pessoas. A criação manipulada de um inimigo externo faz com que líderes possam se posicionar como a única ou melhor solução. Ou seja, instilar medo nas pessoas faz com que elas fiquem suscetíveis ao controle e em um constante estado de alerta. Manipulação e controle puro e simples. Reais líderes assumem a responsabilidade ética de manter as pessoas no desconforto do medo sem aumentá-lo ou fingi-lo, ou seja, ajudam à equipe a trabalhar e entregar resultados apesar do medo, e não por causa dele.
Recompensar exaustão como símbolo de status versus Apoiar o descanso e diversão
Múltiplas pesquisas e estudos comprovam os males que o excesso de trabalho causa para a saúde física e mental. Entretanto, ainda existe vigente nas organizações e em muitas equipes a prática de recompensar a exaustão, criando uma cultura onde as pessoas que ao mesmo tempo premiam aqueles que se passam longas horas dedicadas à empresa e punindo, ou de uma forma velada, excluindo ou envergonhando, as pessoas que não se submetem ao regime de dedicação extrema à empresa. Para criar e manter uma equipe coesa e saudável, líderes devem incentivar o descanso e o lazer. Isto inclui não parabenizar as pessoas que trabalham constantemente aos fins de semana, buscando entender o que pode ser feito para que não seja necessário o trabalho em excesso.
Evitar assuntos difíceis versus Falar abertamente e agir
Ao evitar os assuntos difíceis os gestores buscam não ter sua competência ou falta de conhecimento expostos, principalmente quando precisam lidar com as emoções, medos e incertezas da equipe. Desse modo, o gestor evita a posição vulnerável de lidar com o desconhecido ou não ter uma resposta pronta. Ter a coragem para liderar passa inegavelmente por ter conversas diretas e executar ações. Em suma, fugir dos assuntos e situações difíceis consome grande energia mental e emocional que deve ser utilizada para enfrentar a vulnerabilidade e concretizar ações.
Vergonha e empatia
Vergonha, que à primeira vista pode ser mais uma emoção dentre muitas, é a emoção do “nunca bom o suficiente”. Nesse sentido, evitar a vergonha é o principal motivo da criação das armaduras psicológicas que vimos antes. Antes de tudo, precisamos entender os três fatores básicos da vergonha:
1) Todos nós sentimos vergonha. É um sentimento universal e um dos mais primitivos.
2) Todos temos medo de falar sobre vergonha. Dessa forma, até a palavra vergonha nos traz desconforto.
3) Quanto menos falamos sobre vergonha, mais controle ela tem sobre nossas vidas.
Vergonha é o sentimento doloroso de acreditar que somos defeituosos e, logo, não somos merecedores de amor, conexão e pertencimento. Existe um duplo pensamento que nos leva ao sentimento de vergonha:
- Nunca sou bom o suficiente
- Quem você pensa que é?
Assim,estes pensamentos precedem ou ocorrem simultaneamente às situações onde nos sentimos vulneráveis e erguemos nossas armaduras psicológicas, e em consequência não buscamos ter a coragem para liderar.
Importante destacar que vergonha não é culpa. Culpa é “Fiz algo ruim”, enquanto a vergonha é “Sou ruim”.
Líderes que tem coragem para liderar evitam expor as pessoas e lhes causar vergonha, ao mesmo tempo combatem sempre que detectam comportamentos de outros que causem ou incitem a vergonha. Entre os comportamentos que causam vergonha estão: comparação entre pessoas, assédio, discriminação, exigência de perfeccionismo, fofoca, críticas públicas e colocar a culpa.
Finalmente, para aprendermos como lidar com nossa vergonha, ao mesmo tempo que não causamos em outras pessoas, precisamos desenvolver habilidades de empatia como: ganhar perspectiva sobre o ponto de vista do outro; não julgar precipitadamente; entender os sentimentos das pessoas.
Brené Brown no TED Talks 2012 – Long Beach California – Ouvindo a vergonha
Frases de empatia
Desenvolver e demonstrar empatia definitivamente está no centro da evolução da coragem para liderar. Assim, listo abaixo algumas frases recomendadas no livro:
- Eu sinto você
- Eu conheço este sentimento e sei o quanto é ruim
- Eu te entendo, você não está sozinho
- Já estive nessa situação e ela é realmente dura
- Acredito que muitos de nós experimentamos isso. Talvez sejamos todos estranhos ou normais, mas de qualquer forma não é só você
Curiosidade
Curiosidade é um ato de vulnerabilidade e coragem. Para que nós possamos avaliar situações de um modo a não julgar, precisamos manter sempre a postura de um eterno aprendiz. Assim, curiosidade é uma característica para lidarmos com a armadura do “sabedor de tudo”, fazendo com que tiremos de nós mesmos o peso de ter respostas para tudo. Algumas frases que induzem a criatividade:
- A história que estou enxergando para esta situação é….
- Estou curioso sobre…
- Conte-me mais.
- Me ajude a entender…
- Qual problema estamos tentando resolver?
Esta última frase é inclusive o centro da provocação de Simon Sinek em seu livro “Comece pelo porquê“. Entender o principal motivo de uma situação ou problema é vital para depois desdobrarmos o “como” e “o quê” deve ser feito.
Questões adicionais na coragem para liderar
Brené Brown dá ainda uma maior profundidade no “A coragem para Liderar”. Ela aborda ainda aspectos como a importância de se descobrir seus próprios valores e o desafio de viver sob eles, bem como a integridade de tomar decisões com base nestes mesmos valores. Ela traz também ao longo do livro uma série de ferramentas práticas que podem ser postas em prática em equipe ou individualmente para lidarmos melhor com nossa própria vulnerabilidade.
Minhas conclusões
Este é inegavelmente um livro necessário ser lido, e principalmente, praticado por líderes independentemente da organização onde atuem. O livro é recheado de histórias tanto da própria Brené Brown quanto de seus clientes e amigos, e estes exemplos ajudam a melhor entender como um determinado comportamento se manifesta e quais suas consequências. Como comentei no início, “A coragem para liderar” é um livro que deve ser lido com calma e certamente gerará incômodo, pois questiona “verdades” que construímos para nós mesmos mas que podem estar nos privando de uma vida plena e mais satisfatória.
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Eu atuo desenvolvendo pessoas há mais de vinte anos, e desde 2013 atuo como Mentor e Coach profissional. Tive a oportunidade de trabalhar com Executivos, Gerentes, Coordenadores, mas também com estagiários, profissionais liberais e empreendedores, de segmentos tão variados quanto TI, agronegócio, indústrias, startups, logística, entretenimento online e construção civil. Minha abordagem é pragmática e focada nos resultados do cliente, sem misticismos ou promessas inverossímeis. Entre em contato para conversarmos sobre seus desafios e como eu poderei ajudar!